Patagônia
O fim do mundo é lindo e excitante

    Saímos de São Paulo dia 24/12/2001, pela manhã, antecipando aquela que seria uma de nossas mais belas caminhadas. No aeroporto, o grupo (éramos 13 pessoas) trocava impressões de como seria o passeio. Embarcamos e lá fomos a Santiago. Meio da tarde, temperatura de 35ºC, ficamos algumas horas esperando a conexão. Enfim, embarcamos para Punta Arenas onde chegamos às 23:00 horas, num lindo por do sol, a uma temperatura de 5ºC...

    Manhã gostosa, café (em pó), leite (em pó), um pouco de açúcar (idem), e lá vem a água quente para preparar o mingau... De Punta Arenas a Puerto Natales foi só um tirinho de espingarda; 250 km em menos de cinco horas. Em Puerto Natales venta; mas venta MESMO, a ponto de ser necessário um pulover de lã e um quebra-vento. Cidadela simpática. Um passeio pela Cueva Millodon para esticar as pernas, e vamos ao que interessa: 

Parque Nacional Torres Del Paine

    De Puerto Natales à Porteria Lago Sarmiento são 100 km de estrada em terra, e à medida que o Parque vai se tornando visível com as montanhas nevadas tendo no centro as torres que dão nome ao parque você começa a entender o que veio fazer no fim do mundo!!! Ao se aproximar da porteria, começam a aparecer os animais da região: lebres, águias, raposas, condores, ñandus (emas de lá), guanacos. Lindos guanacos com olhos enormes e simpáticos, com um tom de tristeza, cuidando de seus chulengos e evitando que você se aproxime muito. Aliás, o modo de eles dizerem que você não é bem vindo, é dando as costas e urinando. Os guanacos posicionam sentinelas em todos os morros ao redor do rebanho para avisar no caso de aproximação de um puma.
    Bem, desembarcamos na Porteria Lago Sarmiento e fizemos uma gostosa caminhada de duas horas até a Guarderia Laguna Amarga, onde o carro nos esperava para irmos ao Refúgio Torres onde passaríamos nossa primeira noite.
    Todos os refúgios do parque têm uma regra: as botas de caminhada ficam do lado de fora, sem excessão. Lá dentro você anda de meias ou chinelos, o que torna os abrigos um pouco mais limpos. O ambiente é muito acolhedor. Ao final da tarde, quando chegam os caminhantes, ávidos por uma cerveja, um chá ou um papo, o aquecedor é aceso e rola um papo muito louco, em uma quantidade enorme de idiomas num espaço tão pequeno que lembra a estória da Torre de Babel, com a diferença que aqui todos se entendem... Vem o jantar, e o cansaço vai tomando conta do corpo. Um a um os aventureiros vão se recolhendo para seus aposentos e apenas os mais excitados (ou insones) aguardam o lindo por do sol nos Andes, lá pelas 23:30 horas...
    Manhã chuvosa. Difícil levantar. Noite mal dormida, não pelo frio (o saco de dormir para -5ºC deu conta), mas por ter como companheiro de quarto o Abrão. A Vera jura que ele nunca, nos 27 anos de casados, roncou. Ela deve amá-lo muito. O homem é a encarnação de uma retro-escavadeira. E faltam 10 noites com ele........    Mas vamos lá, que a primeira aventura nos aguarda. Hoje vamos à base das Torres Del Paine. Caminhada (ida e volta) de 8 horas, mais um tempinho para almoço e descanso. Acreditamos que em 10 horas estaremos de volta. A chuva não pára, as Torres encobertas, aguardamos por uma hora e resolvemos ir assim mesmo; o tempo nas montanhas é manhoso: vem uma nuvem e chove, bate um vento, a chuva se vai e o sol aparece. Lanche de trilha pronto, vamos lá.
    Saímos às 9 horas e logo começa uma subidinha (500 metros verticais em 1500 horizontais). A chuva aumenta e o vento castiga. Muito. O Bruno está fora de forma e pifa. Anselmo ("Santo" Anselmo que me salvou um passeio mais adiante) ajuda com a mochila. No final da subida a vista é impressionante. Caminhamos por um acarreo, que é um caminho de pedras soltas, na encosta do Monte Almirante Nieto. A trilha tem uns 50 cm de largura, de um lado a encosta da montanha, do outro um abismo de 500 metros com o Rio Ascensio tranquilo lá em baixo. Indescritível! Não vou perder tempo com adjetivos, pois toda esta viagem seria lotada de superlativos. A chuva se transforma em tempestade, o vento em VENTO, o frio aumenta. Colocar mais um casaco de lã. Após duas horas chegamos ao Refúgio Chileno. Nós e uma multidão. Não podemos entrar, pois estão limpando. Cada minuto são 5 minutos. Enfim liberam a entrada e nos sentamos para nos aquecermos, almoçar e descansar. O grupo se divide: uma parte quer seguir para as Torres, outra quer voltar. 
    Abrão, Vera, Iara, Sílvia e eu resolvemos voltar. Os outros seguiram adiante. Uma das coisas boas do Parque é que as trilhas são muito bem demarcadas, de tal forma que você não precisa de guia, e ao mesmo tempo não há degradação do ambiente com a marcação e o trânsito. Voltamos numa boa, apesar da chuva e do vento, curtindo cada vista de todos os ângulos possíveis. Ao atravessar o acarreo enfrentamos rajadas de vento tão fortes que poderíamos ser lançados de lá se não sentássemos imediatamente.
    O resto do grupo caminhou mais uma hora até a morena que dá na base das torres, mas desistiram de subir a morena, pela dificuldade devido à chuva e ao fato de as torres continuarem totalmente encobertas.
    Banho, jantar, e a frustração do Galleão: "eu vim até aqui só p'rá ver as torres..." Mas não há muito a que fazer. Amanhã teremos que ir ao Refúgio Cuernos.

    Dia seguinte, céu lindo, sol quente, nem uma única nuvem. Os olhos do Galleão se iluminam e sua mente maquina.... Confabula com o Anselmo, e, sendo eles os melhores andarilhos do grupo, resolvem voltar às torres e seguir direto para o Refúgio Cuernos. Dez mais seis, só 16 horas de caminhada. E lá foram eles!!!
    O resto do grupo preparou-se para a caminhada mais leve da viagem. Se você  for rápido, chega ao Refúgio Cuernos em 4 horas, mas nós estávamos lá para curtir. Camiseta de manga curta, sem gorros ou luvas, lá fomos nós. A caminhada contorna o Monte Almirante Nieto, à direita, e segue a margem do Lago Nordenskjöld, à esquerda. Sem grandes subidas ou descidas, um visual maravilhoso, uma montanha coberta de neve de um lado, e um lago enorme do outro. Em 6 horas chegamos ao Refúgio Cuernos, que fica em um local privilegiado: na base dos Cuernos Del Paine, 3 maciços de granito claro, quase branco e os cumes negros. Aí pela hora do jantar, quem chega? Galleão e Anselmo, cansados, exaustos, famintos, mas com um sorriso que dizia: "Nós vimos as Torres !!!". (E se você vir as fotos que eles tiraram, vai querer ir também. Aliás o Alan já disse que vai voltar para lá...)

    O clima nessa região é "sui generis". Extremamente seco, devido aos ventos, apesar de todos os lagos; tão seco que eu, que nunca usei protetor labial, tive de usar e mesmo assim meus lábios racharam. A temperatura varia de uns -5ºC a uns 15ºC SEM VENTO. Com vento, porém, esses números caem assustadoramente. E que ventos: eles vêm em rajadas que podem facilmente levantar uma pessoa atirando-a longe.

    A noite nos Cuernos foi gostosa. A Sílvia conseguiu um chuveiro que espirrava para cima e molhava toda a roupa seca do banheiro masculino, e um cozinheiro bigodudo que adora bancar o encanador se o problema é no banheiro feminino, quando há muitas mulheres tomando banho e ele finge não entender os protestos...(No entendo, no entendo). O Abrão já fazia parte dos barulhos autóctones, sendo confundido com o vento e os animais que passeavam ao por do sol...

    Nova manhã, nova caminhada. Vamos para o Refúgio Pehoe, com direito de almoçar ao lado do Glaciar do Francês. Esta foi, sem dúvida a caminhada mais bonita da viagem. (Relendo todo o texto eu acrescentaria "pelo menos até aqui"). Se você puder, faça o contrário: vá do Pehoe para os Cuernos, pois assim a visão linda desse maciço ficará sempre à sua frente, e não às costas como nós a tivemos. A caminhada começa junto a uma praia do lago, e à medida que começamos a subir, vem um vento que assusta; a passagem foi feita uma pessoa por vez, abaixada. A primeira parte foi contornando os Cuernos, sempre com o Lago Nordenskjöld à nossa esquerda, até entrarmos para ver o Glaciar do Francês, e almoçar ao lado dele, protegidos do vento por enormes rochas. Depois do almoço toca para o Pehoe, sempre com a estonteante visão dos Cuernos às nossas costas. Sete horas após sair do Refúgio Cuernos, chegamos ao Refúgio Pehoe.

    A vegetação do parque varia muito. Há lugares onde você anda por areia e pedras, outros parecem uma restinga, outros ainda se assemelham a grandes campos, e por fim há florestas maravilhosas, florestas de um só tipo de árvore, a lenga, que aguenta o vento e o frio do local, mas que sempre está retorcida.

    Esta minha descrição não é a que seguimos cronologicamente, pois não conseguimos vaga no refúgio Pehoe nesta data. Tivemos que ir à Argentina (veja adiante) e depois voltamos ao Parque. Portanto lembre-se que reserva é imprescindível. Eu aconselho, inclusive, a quem puder, fazer o caminho inverso, isto é, ir do Pehoe ao Cuernos e Torres. O visual é mais bonito, as caminhadas vão ficando mais pesadas e você estará mais bem preparado fisicamente. Agora, muito cuidado com os preços; como você está longe de tudo, comida, água e estadia são caras. Para se ter idéia, uma garrafa de água mineral de 500 ml custa US$ 2,50 em qualquer refúgio ! É verdade que o lago está lá e não custa nada levar hidrosteril...

    Novo dia, novo passeio. Vamos visitar o Glaciar Grey. Saída bem cedo subindo a trilha até a Laguna Los Patos. Nesse ponto a trilha chama-se "Quebrada de los Vientos"; adivinhe por quê !!! Todo mundo pára, abrem-se as mochilas e começam a sair os gorros, luvas, casacos, tudo o que tem direito (a vantagem é que a mochila fica mais leve...). Passada a Laguna Los Patos, começa-se a avistar, à esquerda, o Lago Grey. E que visão ! Uma série de icebergs azuis flutuando para o sul do lago. Icebergs que haviam caído do glaciar. Azuis de todos os matizes, desde o mais clarinho até o anil.
    O gêlo do glaciar vai sofrendo compressão à medida que novas nevascas congelam, e com o passar dos milênios estão tão comprimidos que a única luz que eles refletem é a azul. Quatro horas de caminhada e você chega a um mirante com todo o glaciar à sua frente. Vista esplendorosa. Deste ponto até o mirante mais próximo do glaciar são mais umas duas horas de caminhada no plano, que Sílvia e eu dispensamos e iniciamos a volta, pois queríamos andar um pouco na trilha do dia anterior, isto é, caminhar um pouco do Pehoe para Cuernos para termos novamente a vista magnífica do maciço.

    O dia seguinte foi a despedida do Parque. Havia a opção de tomar um barco regular que vai ao Refúgio Pudeto em 30 minutos de navegação pelo Lago Pehoe, onde uma van estava à espera (a bagagem foi de barco), ou ir caminhando até a administração do parque (5 horas) onde a van nos pegaria. Alan e Bruno resolveram ir de barco e os outros a pé. Esse caminho, após uma leve subida é todo plano, sem dificuldades, com um visual diferente daquele que nos acompanhou até então. E foi justamente aí que o Abrão, quando foi se levantar após o almoço, estancou. Ele simplesmente parou. Não conseguia se levantar. A dor veio, o pé inchou - dois ligamentos rompidos. (De acordo com o Abrão, além da valeta, somaram-se o stress e a vontade de reiniciar a caminhada num ritmo acelerado devido à planície. "Aprendi a fazer uma nova leitura de sempre iniciar em 1ª e não engatar a 4ª direto sem um preaquecimento, ou seja, alongar sempre, antes e após cada parada"). Por sorte (MUITA SORTE), vinham 4 cavaleiros do Hotel Explora, dois guias e dois hóspedes (O Hotel Explora é um cinco estrelas que fica dentro do parque). Um dos guias imediatamente se propôs a levar o Abrão a cavalo até um local onde um carro pudesse vir buscá-lo, e passou um rádio ao hotel explicando a situação e pedindo que eles solicitassem aos Guarda Parques um socorro. Fomos ao local, agradecemos aos quatro e sentamos para esperar. Aí o Hilmo disse que apesar do Chile ser quase 1º mundo, ele não confiava nos guarda parques. Novamente o Anselmo pôs-se em ação; jogou a mochila às costas e disse que iria à administração trazer a nossa van. Lá foi ele na frente, Vera e Hilmo ficaram com o Abrão e o resto de nós pôs o pé na estrada.  Enquanto íamos indo, já Anselmo vinha vindo com o carro. Quando chegamos à administração, os guarda parques ainda estavam pensando se iriam ou não nos socorrer...... Portanto, mesmo no Chile, tome muito cuidado para não se machucar, e não confie nos guarda parques !!!

Argentina

    A viagem de Puerto Natales a El Chalten é simplesmente um saco. São 400 km de estrada de pedra facilmente vencidos em umas 10 horas, mas que valeram a pena pelas duas caminhadas que fizemos aí. El Chalten é uma vila de uns 1.000 habitantes, sem grandes atrativos, a não ser para a Vera, Iara e Débora, que conseguiram encontrar uma porção de lojas. Ficamos hospedados em dois simpáticos chalés, num deles Sílvia, eu e os homens, no outro Abrão, Vera e as mulheres. A chegada foi no dia 31/12/2001, e à noite convidamos a todos para jantar e comemorar o reveillon no nosso chalé. (Quando no dia seguinte sugerimos que o jantar fosse no chalé das mulheres, vocês não imaginam o fuzuê que deu; elas tinham bagagem espalhada por todo o chalé, inclusive por toda a sala, mas nós não nos fizemos de rogados e comemos lá mesmo, inclusive usando creme hidratante como maionese, bobies como copos, em resumo, tudo bem caseiro - agora aqui entre nós: como é que elas carregam tanta bagagem para uma caminhada ???).

    Bem, reveillon comemorado, ano novo recém inaugurado, vamos caminhar !!! Ao Fitz Roy !!! Eu disse no início que não usaria adjetivos, mas essa trilha é algo fenomenal. Começa com uma subida brava, mas com uma vista linda. Ao chegar lá em cima a gente passeia por um bosque encantado. De repente entra-se em uma floresta de lengas, floresta fechada, linda, de um só tipo de árvore... Atravessada a floresta, o caminho segue por uma esteira de pedras redondas entrecortadas por riachos límpidos. E assim caminha-se por algumas horas, até chegar ao campo base do Fitz Roy. Paramos aí para o almoço, e fomos brindados por uma linda e fina neve que caiu durante uns bons 30 minutos. (Foi nessa hora que o Bruno percebeu que com a pressa de sair do refúgio, ele havia jogado a pasta de dentes na mochila e guardado o lanche e os óculos escuros com a bagagem... Bem, cada um forneceu um pouco do seu lanche e o rapaz até que se deu bem). A partir daí começa a subida para a base do Fitz Roy. E que subida !!! A Sílvia e eu, que fomos para passear, e não para sofrer, resolvemos voltar, enquanto o resto da turma encarou a subida. Nós voltamos devagar, curtindo e inspirando esse caminho tão lindo, tão gostoso. O pessoal chegou às cabanas 4 horas depois da gente, todos literalmente esgotados, mas felizes com a subida conquistada passo a passo. 
    O dia seguinte nos reservou uma surpresa magnífica. Pena que Débora e Iara não vieram, tal era a exaustão da véspera. Fomos ao Glaciar Torre, que fica na base do Cerro Torre. A caminhada, a mais longa da viagem, durou 13 horas. O início da trilha é uma subida brava, e no meio dela eu já estava de língua p'ra fora. Aí veio o meu "anjo", Anselmo, que sem perguntar me ordenou dar a mochila para ele. (Anselmo, você salvou aquele que talvez tenha sido o meu mais lindo passeio). A caminhada, a partir do alto da subida, foi plana e sem novidades durante umas 3 horas ("sem novidades" significa com imagens belíssimas, que é o normal nesse fim de mundo). Chegamos ao acampamento Jim Bridwell, onde fomos saudados por dois simpáticos e extremamente profissionais guias argentinos. Lá, enquanto tomávamos um fôlego da caminhada, íamos experimentando cada um seu boudrier e crampons.
    Cadeirinha vestida, crampons na mochila, iniciamos uma caminhada de 10 minutos até o Rio Fitz Roy (é ele mesmo, eu não estou enganado). Aí começou a brincadeira: atravessar o rio de tirolesa. Foi uma experiência muito gostosa, que continuou do outro lado, quando fomos andando sobre uma morena, com uns dois metros de largura e abismos dos dois lados. Até chegarmos a uma floresta fechada. Bem, aí começou a SUBIDA. O Anselmo não esperou que eu estrebuchasse; pegou minha mochila e foi-se embora. Subida brava, tínhamos que ir agarrando nas árvores, raízes, onde desse. Lugar lindo (acho que sou fanático por florestas). Abrão pifou. Ficamos preocupados. Hilmo pegou sua mochila, e ele recuperou-se e seguiu. Após uns 45 minutos chegamos no alto; lá no alto. O glaciar estava lá embaixo, bem embaixo, do outro lado da montanha. Começamos a descer. A floresta foi terminando. Um rio desce a montanha, "abismado" . Vamos cruzá-lo. Os guias argentinos, preocupados, ajudam a todos. O lugar é mesmo perigoso. Chegamos ao alto da morena. Vemos gente andando no glaciar. Parecem formiguinhas. A morena tem uns 100 metros de altura, íngreme, pedras soltas, linda, maravilhosa. Descemos. Lá embaixo, os guias nos mandam pôr luvas; mas não está frio; é para proteger as mãos caso a gente caia, pois o gêlo é todo pontudo. Calçar os crampons. E começamos a andar sobre o glaciar...
    Que sensação mais linda. Após uma breve aula de como se anda com crampons, nós, uns nadinha, andando sobre aquele mar de gêlo. Gêlo formado há centenas de milhares de anos. Gêlo azul, branco, misturado com a terra da morena, lindo, lindo. Subimos morrinhos, descemos, vimos gretas de 50 metros de profundidade, sorvedouros para onde ia a água do degêlo, brincamos, rimos de emoção, de satisfação, de tensão. Hora do almoço. Os mais espertos encontraram pedras para sentar. Eu sentei no gêlo mesmo para comer. É uma sensação estranha, de conquista, de medo quando batia o vento gelado e a neblina que o tempo todo cobriu o Cerro Torre baixava mais, de alegria por estar num lugar tão encantado.  Lugar inóspito, selvagem, tenebroso se você se pensar nele sozinho, lindo de viver (veneração, de acordo com a Sílvia).
    Mas afinal tudo termina. Estava ficando tarde. Íamos aprender a escalar no gêlo, mas não havia mais tempo (Que frustração, hein Alan?). Tiramos os crampons e encaramos a morena. Aí os guias nos ensinaram a subir. Dê um passo pequeno, muito pequeno, do tamanho do seu pé. E suba devagar. Sem parar, mas muito devagar. E lá fomos nós, sem nos cansar, bem devagar, subindo. E de repente, estamos sobre a morena. Atravessar o rio com cuidado. Descer a floresta, andar sobre a outra morena, atravessar o Rio Fitz Roy de tiroleza. Cansaço. Muito cansaço. Hilmo tem uma sugestão divina: voltar as tres horas que faltam a cavalo. Viva! Galleão, Anselmo e Maria dizem não; cavalo conosco, não. Eles e Hilmo voltam a pé. Sílvia está montando pela segunda vez na vida. Passa um cavalo vazio por mim e eu grito preocupado: Cadê você?????? Mas ela estava em outro  animal. Ufa... Após umas duas horas, Sílvia estava na minha frente e íamos conversando, quando ela olhou para trás. Foi o que bastou. O cavalo passou sob uma árvore de galhos baixos. Foi ela se virar para a frente e sentir a galhada no peito. E lá se foi minha namorada para o chão. Ainda bem que sem maiores ferimentos. Após 13 horas, chegamos ao lar doce lar, para um bom banho, uma cerveja e um jantar delicioso preparado por Dom Roberto, nosso cozinheiro chileno.

    Dia seguinte, todos já refeitos (o Alan disse "refeitos" entre aspas, né?), pegamos nossa van para ir a El Calafate visitar o Glaciar Perito Moreno. Aqui não tem caminhada. O Perito Moreno fica a 80 km de El Calafate e tem toda infra estrutura possível: cerquinha para impedir que você se aproxime muito, pois o encanto dele é vê-lo quebrar e o gêlo cair no lago (gêlo do tamanho de prédios, diga-se de passagem), restaurante, banheiros, etc... Mas depois de passear pelo Torre, o Perito que me perdoe. Ele é lindo. Mas só isso.

    De volta a Punta Arenas, não deixe de visitar a pinguinera. A viagem de van é longa e cansativa, mas vale a pena ver esses bichinhos, tão feios, tão desengonçados, tão desajeitados, mas que te cativam com o olhar, e ficam tão lindos...

    E assim foi...

    Vá até o fim do mundo que vale a pena (e como vale!!!)...

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